Insuspeito

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25 maio 2013

Intervenção no lançamento do livro de M. Norberto Corrêa

Este é fundamentalmente o livro que o seu autor tinha em mente fazer. Imagino por isso que deva sentir-se realizado e muito feliz pela qualidade do resultado.

Mas, mais do que isso, este é o livro que o seu autor considerava que se impunha fazer e ao qual dispensou o mesmo rigor, o mesmo empenhamento e a mesma paixão que dispensou a todos os projectos da sua vida ao longo de 60 anos de carreira.

Norberto Corrêa idealizou um livro que não fosse só um testemunho fiel da sua vasta, valiosa e eclética obra de arquitectura, urbanismo e design.

Nunca escondendo ter pretendido fazer um livro de exemplos dos seus trabalhos e da sua prática profissional concreta mas «indicando as razões que levaram a que alguns desses estudos não tivessem sido concretizados em obras, e por que motivos outros, que vieram a ser construídos, caíram no silêncio, [e] numa não alusão, (…) como se tais trabalhos não tivessem existido, nem o seu autor», sei que nunca foi sua intenção fazer do seu livro algo que lhe servisse de mera e egoísta satisfação, ou que meramente falasse de si e da sua genialidade - isso jamais seria capaz de fazer.

Ao contrário, quis que fosse um livro que também falasse da importância do trabalho interdisciplinar e de equipa, e em que pudesse deixar para a posteridade o seu reconhecimento sincero a todos os profissionais que consigo trabalharam e que contribuíram para as suas obras.

Norberto Corrêa idealizava, pois, e como sempre nas suas obras e na sua forma de estar na vida, uma obra altruísta, que servisse à sociedade e que tivesse um carácter marcadamente pedagógico para todos quantos se dedicam ao estudo destas matérias e adoptam o urbanismo ou a arquitectura como a sua profissão.

Idealizava um livro feito de coisas concretas, fácil de ler e compreender pelas pessoas comuns, «aqueles [como nos ensinou nas suas aulas de Deontologia] a quem o urbanismo e a arquitectura devem servir», e, fundamentalmente, um livro para estudantes, sobre a prática profissional e percurso de um arquitecto-urbanista, para quem as gerações profissionais precedentes, inevitavelmente, têm a obrigação ética e deontológica de endossar a responsabilidade de continuarem a pugnar por cidades e territórios mais qualificados e sustentáveis e de saber lidar com a lógica da primazia do lucro tão característica da generalidade dos promotores.
Essa pareceu-me ser sempre a sua maior motivação quando pude conhecer-lhe o pensamento durante as nossas inesquecíveis conversas sobre este livro, algumas delas durante as pausas do trabalho de programação do número seguinte da revista «Urbanismo», já lá vão, seguramente, mais de 10 anos.
Passado todo este tempo, impressiona positivamente constatar o resultado e perceber a forma inteligente como Norberto Corrêa soube levar do pensamento à prática este projecto, o controlo que sempre soube ter de todas as suas diferentes dimensões e fases, para que a forma final não se desviasse, no essencial, da ideia de partida.
Isso é patente na selecção das obras e na coerência dos desenhos que as ilustram, na agradabilidade do arranjo e na intencional opção pela ordenação dos projectos em respeito ao critério da sua sequência no tempo em detrimento da opção pela sua segregação por tipos.
Para um virtuoso como Norberto Corrêa, é fácil assumir que «tudo o que ocupa espaço é do domínio da arquitectura», logo, que urbanismo, arquitectura e design são uma única coisa apenas e não disciplinas necessariamente autónomas que justifiquem abordagens independentes.
Bem conseguida é também a harmonia entre a dimensão gráfica do livro, a qual o autor sempre quis privilegiar, e os textos de acompanhamento, alguns, necessária e intencionalmente, fazendo a contextualização indispensável à sua cabal compreensão.
Norberto Corrêa nunca quis fazer um livro erudito, antes, um livro fácil, franco, subtilmente crítico, como subtis e corteses serão sempre os reparos dos homens grandes como ele, dos homens com uma conduta de vida e profissional tão eticamente irreprovável e generosa como é a sua. Fê-lo, em suma, como sempre, a pensar muito mais nos outros do que em si mesmo, com a entrega, a competência e o rigor habitual das suas obras. Está, portanto, francamente de parabéns por isso.
Este é um livro que, além de despertar a nossa vontade de conhecer melhor cada detalhe da obra de Norberto Corrêa, abre-nos diversos prismas de análise e linhas de meditação, tal é a singularidade e riqueza do seu percurso profissional.
A partir deste livro será certamente outro o interesse da Academia e dos profissionais do urbanismo para a reflexão em torno da sua carreira, do lugar na história da sua obra, que é seu por direito próprio, e da singular dimensão conceptual que lhe está associada, a que Jerome Markson designa de «uma estética ibero-mediterrânica única».
O centro de estudantes da cidade universitária e a sua vanguardista cantina -primeiro self-service do país-, o centro de documentação do LNEC -e o pormenor da sua distinta ligação em ponte ao edifício principal-, o externato e igreja da Luz -a primeira obra em Portugal onde foram atendidas as recomendações do Concílio Vaticano II para a construção de novas igrejas-, são obras modernas portuguesas de referência, às quais ainda não foi atribuída a relevância que é justo reconhecer-lhes na história da arquitectura portuguesa moderna e de vanguarda da segunda metade do século XX.
O mesmo se diga relativamente ao centro de medicina de reabilitação de Alcoitão quanto ao reconhecimento que está por fazer do trabalho de Norberto Corrêa, na vertente de design de mobiliário e equipamento.
No que à dimensão urbanística concerne, são imensamente relevantes os exemplos deste livro relativos ao planeamento, de inspiração moderna, da cidade universitária de Lisboa, o paradigmático arranjo da envolvente ao Mosteiro da Batalha ou o caso do Vale de Algés e da dimensão social que lhe esteve associada por iniciativa do urbanista para o realojamento das famílias moradoras no bairro de Santas Martas e as anotações complementares do autor quanto a algumas das menos agradáveis razões que explicam o seu abandono e deturpação.
Também o plano sub-regional de Armação de Pêra, que detalhava, na sua área de intervenção, o primeiro Plano Regional do Algarve, nos alvores do desenvolvimento turístico da região, e cuja leitura imediatamente provoca a nossa curiosidade para aprofundar a análise e o estudo das razões que explicarão, com o rigor devido, como foi possível que o desenvolvimento turístico e aquela parte concreta do território nacional não sirvam hoje melhor os interesses da sociedade e os desígnios do país como poderiam e deveriam ter servido se os planos e as metodologias de abordagem de Norberto Corrêa tivessem sido respeitados ou lhes servissem de inspiração.
É evidente a importância desta obra para o estudo do urbanismo de vocação dominantemente turística que ocorre no Algarve desde há meio século.
E aquilo que esta obra também nos ensina, é que tudo podia ter sido diferente do que foi, assim as preocupações de Norberto Corrêa com a integração paisagística e com a tradição arquitectónica local tivessem sido a regra de abordagem dos que projectaram para o Algarve desde os anos 60 e não, infelizmente, uma das suas mensuráveis excepções.
Ainda no que ao urbanismo algarvio e à sua história recente importa, muito caminho há a percorrer para desmistificar ideias equívocas e separar o trigo do joio, quer dizer, para que, com serenidade e racionalidade, consigamos distinguir entre o que se fez de bom, e que deve ser merecedor de todo o nosso reconhecimento, daquilo que se fez de menos bom. E também para isso e para o estudo do urbanismo turístico este livro e a obra do seu autor são um contributo de inestimável importância.
Por todas as dimensões do seu brilhante percurso profissional, e como bem refere o Prof. Manuel da Costa Lobo no seu texto que encontramos nas páginas iniciais deste livro: «O Arquitecto M. Norberto Corrêa é um profissional que vale a pena apreciar, pelas suas obras e pela sua carreira.»

Lisboa, Palácio Foz (sala dos espelhos), 23/05/2013.



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