Insuspeito

Ambiente e Urbanismo. E-mail: nunomarques2009@gmail.com. Também no FACEBOOK, em www.facebook.com\nunomarques2009.

07 junho 2014

Comunicação proferida na abertura do X Fórum Nacional de Urbanismo e Autarquias (Faro, 06.06.2014)

Este encontro de decisores públicos e profissionais de urbanismo que hoje se proporciona e a discussão que aqui vai decerto ocorrer em torno das questões suscitadas, constitui, antes de mais, um importante desafio para todos os participantes do X Fórum Nacional de Urbanismo e Autarquias.
De entre o conjunto de linhas de reflexão lançadas em torno da temática escolhida figuram questões de inquestionável pertinência, como sejam i) ‘[d]e que forma as nossas cidades podem ser mais equitativas?’, ii) ‘[c]omo podem as cidades proporcionar maior igualdade de acesso dos cidadãos aos serviços públicos e privados prestados?’ ou iii) [d]e que forma o planeamento urbanístico e o desenho urbano que fazemos tem contribuído para tornar as cidades mais acessíveis e habitáveis para todos os segmentos da população e mais inclusivas para os diferentes grupos sociais?’ 
Ora, assim colocadas, e se bem entendidas, estas não são, de facto, perguntas de resposta óbvia.
E encontrar as repostas mais adequadas a cada uma destas questões em face de um contexto espacial e sócio-urbanístico específico, torna o exercício ainda mais exigente e complexo, implicando necessariamente a mobilização de muitas e abrangentes vontades consensualmente comprometidas com um objectivo comum – o da prossecução de uma agenda de desenvolvimento das cidades focada, essencialmente, nas pessoas e no combate a múltiplas expressões de menor equidade.
Mais de metade dos seres humanos vive actualmente em ambiente urbano ao contrário do que sempre tinha sucedido.
Como é sabido, desde o final da década passada que mais de 50% da população mundial passou a viver em cidades. E estima-se que, em 2050 –se não mesmo antes– aproximadamente três quartos da humanidade viverá em áreas com características predominantemente urbanas.
Portugal é o sexto país entre os 28 estados-membros da União Europeia com maior número de pessoas a viver em zonas urbanas, depois de Malta, Reino Unido, Holanda, Bélgica e Espanha.
Nas duas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto concentra-se 40% da população portuguesa.
Em apenas três décadas, o número de portugueses a viver em cidades passou de 3 milhões para 6 milhões, número que poderá crescer ainda mais, apesar do envelhecimento (acelerado) da população, dos fenómenos de desertificação dos centros das cidades e de alguma regressão demográfica a que previsivelmente possamos vir a assistir, estimando-se que, no ano de 2050, a população urbana do nosso país possa mesmo chegar aos 75% do total, em linha com a tendência mundial, sendo que o litoral e as suas conurbações urbanas do género metropolitano, industrial ou turístico (como é o caso do Algarve) continuarão a exercer o predomínio da atracção populacional.
A tendência para a concentração populacional em áreas com características predominantemente urbanas é, portanto, uma realidade incontornável com que nos confrontamos e que, inevitavelmente, nos convoca a todos, sem excepção –administração central e administração local, academia, organizações não governamentais, empresas, sociedade civil em geral–, para a abordagem sobre como preparar as cidades da actualidade para as transformações aceleradas a que assistimos e a que, com certeza, vamos continuar a assistir.  
Não parece, pois, haver quaisquer dúvidas de que até ao final deste século é em ambiente urbanizado que viverá a esmagadora maioria da população mundial.
Essa é a realidade e também a inevitabilidade com a qual todos teremos de saber lidar.
Cientes disso e de que, sem uma atempada consciencialização do fenómeno e a tomada das decisões que se impõem, esta impressionante e acelerada transformação civilizacional tenderá a acentuar desigualdades sociais e insustentabilidades ambientais (com todas as devastadoras implicações daí decorrentes), cumpre nesta oportunidade enfatizar a importância desta reunião e da temática que lhe está associada.
“A Equidade como Objectivo do Desenvolvimento Urbano Sustentável” é o título da Declaração de Medellin proclamada pelos mais de 20 mil participantes de todas as partes do mundo que este ano participaram no VII Fórum Urbano Mundial da ONU-Hábitat que teve lugar naquela cidade colombiana e que solenemente afirmaram o seu compromisso para incluir a equidade urbana na agenda do desenvolvimento dos povos.
Trata-se de um documento que contém propostas concretas para o desenvolvimento urbano sustentável e para uma significativa mudança de paradigma, incluindo reptos para a necessidade de um melhor planeamento urbanístico, para um maior enfoque na contenção do alastramento urbano, nas alterações climáticas e nas suas consequências nas cidades que habitamos, bem como, para uma maior proactividade e empenho das nações, seus decisores e urbanistas, no incremento de maiores níveis de equidade nas cidades, para que o urbanismo possa mais adequadamente servir aos cidadãos, à sua maneira de estar e de pensar, de ocupar o espaço, de conviver, e, com isso, proporcionar melhores relações sociais e económicas.
Também entre nós, e em consonância com alguns dos mais relevantes propósitos da Declaração de Medellin, estamos prestes a consumar uma alteração substancial de paradigma.
A regeneração e a reabilitação urbanas são tratadas no âmbito da nova lei de bases, não apenas com a mesma relevância que já hoje assumem no âmbito da política pública de urbanismo, mas, fundamentalmente, como um desígnio central da nova política pública de solos, ordenamento do território e urbanismo, pensada que foi com o objectivo de dotar a Administração dos meios e instrumentos que ainda não dispunha para privilegiar a reabilitação e a regeneração urbanas das cidades e dos territórios em detrimento da expansão urbana.
É, por isso mesmo, desde logo, muito relevante a consagração na nova lei de bases da condição de existência de uma efectiva programação da urbanização para que os solos expectantes classificados como “urbanos” nos actuais PDM mantenham tal classificação, prevendo-se a sua reclassificação como solos “rústicos” caso tal pressuposto não se verifique, e também a consagração de novos princípios de financiamento da execução de infraestruturas públicas urbanísticas, subordinando-a a critérios de eficiência, sustentabilidade financeira (e de equidade) raramente tidos em conta no passado aquando da realização de obra pública dessa natureza.
Tremendamente importante neste âmbito, convém também assinalá-lo, é a consagração da possibilidade dos instrumentos tributários do património imobiliário passarem a funcionar como instrumentos fiscais e ao mesmo tempo de política de solos, ao poderem prever taxas diferenciadas calculadas em função dos custos das infraestruturas territoriais disponibilizadas, ponderada a respectiva utilização e as opções de incentivo ou desincentivo justificadas por objectivos de ambiente, ordenamento e coesão social e territorial. 
Ainda no domínio da regeneração e reabilitação urbanas e com acentuada relevância para a sustentabilidade das futuras políticas é o reforço dos meios de intervenção administrativa no solo por parte do Estado e das Autarquias, entre os quais se incluem o mecanismo da venda forçada (já hoje previsto no regime jurídico da reabilitação urbana e desde que por utilidade pública devidamente justificada) de prédios urbanos cujos proprietários não cumpram os ónus e deveres a que estão obrigados pelos planos territoriais aplicáveis, bem como o mecanismo do arrendamento forçado, a regulamentar nos termos de lei de desenvolvimento.
Trata este novo regime, objectivamente, de actualizar a política territorial em geral e, desde logo, das revisões conjuntas da Lei dos Solos de 1976 e da nossa bem conhecida Lei n.º 48/98, de 11 de Agosto, a qual (ainda) estabelece, desde há cerca de quinze anos a esta parte, as bases da política de ordenamento do território e urbanismo.
Em breve, ambas deixarão de constituir diplomas legais autónomos, como actualmente ainda sucede, dando lugar, como há muito faz sentido que seja, a uma única lei e a uma efectiva visão integrada sobre o planeamento e a gestão do território, incluindo as políticas ambientais.
Em conclusão, da minha parte e da CCDR Algarve, fazemos votos para que o conjunto de comunicações a que vamos poder assistir durante todo o dia e o debate que se sucederá no âmbito de cada um dos diferentes painéis seja capaz de contribuir para que, ainda que sem a solenidade da Declaração de Medellin, cada um dos participantes deste X Fórum Nacional de Urbanismo e Autarquias assuma para consigo o compromisso de integrar a equidade urbana na sua própria agenda profissional e de cidadania.
Desse modo estaremos com certeza a contribuir para que as cidades e o urbanismo que fazemos, cada um no seu respectivo espaço de intervenção, possam ser efectivamente transformados em lugares mais inclusivos, seguros, prósperos e harmoniosos. 

0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial